quarta-feira, 24 de abril de 2013

A continuidade da escravidão - Parte 2

     Ainda a terceira memória de Antônio José Gonçalves Chaves.

     "... A escravatura embaraça o aperfeiçoamento da população do Brasil e de seu crescimento, ao mesmo tempo que contendo ele uma vastidão imensa de território é mui limitado na sua população, pela maior parte escrava. Como há de um homem livre associar-se na cultura da terra ou em outro qualquer ramo de trabalho com um homem cativo, se imediatamente todo o mundo o considera o mais desgraçado de todos os homens com este labéu - anda trabalhando junto com os negros - e mesmo todos têm para si que com isso perdem de sua dignidade e brio? E se é só a classe escrava que privativamente deve fazer o trabalho da agricultura e artes pesadas, como se poderão adiantar os produtos do Brasil?
      O escravo - diz um economista - consome o mais que pode e trabalha o menos que pode. É esta uma verdade que não precisa ser demonstrada: o escravo, que por modo algum pode esperar prêmio do seu trabalho, interessa-se em consumir e em não trabalhar. Tal é efetivamente a sua indigência corporal e espiritual que jamais pode ter faculdades para dirigir bem o trabalho de que é encarregado; mas ainda quando alguma entidade estranha lhe subministrasse idéias para este fim, ele, que não tem interesses por não esperar recompensa, não se aproveitava dela.
      ..... A escravatura produz todos estes males, pois se ela cedesse o seu lugar, viriam infalivelmente da Europa famílias inteiras para o Brasil: enriqueceriam bem depressa com os produtos do seu próprio trabalho; ramificariam por toda a parte e com as notícias que dessem aos seus patrícios de sua fortuna, atrairiam muito mais povos; entrelaçar-se-iam com a parte da nação mais apurada e operariam população livre, briosa, industriosa, afoita e laboriosa; ao mesmo tempo que com este terrível sistema nos tornamos incapazes de todas estas virtudes.
      Como se há de passar no Brasil sem escravos (dizem muitas pessoas), se não há quem se alugue por criado? Mas como há de haver quem se alugue, por um ano, um mês ou um dia, se quem assim poderia negociar seu trabalho se acha alugado com seus descendentes por uma eternidade! Confira-se a peremptória liberdade aos cativos e logo teremos quantos criados nós precisarmos; confira-se-lhes gradual liberdade e gradualmente teremos criados e trabalhadores de toda a espécie...."

     Com certeza Chaves era de uma inteligência grande ao prever ainda na segunda década do século XIX o que aconteceria com o Brasil após a abolição da escravatura. Chaves era abolicionista como todos dizem? Sim, claro, está escrito; mas abolicionista por uma questão econômica, não por razões humanistas, isso também me é claro. Mas o que eu acho mais importante ainda nesses textos é ver que Chaves acerta como ninguém o destino sócio-econômico brasileiro nos dias de hoje.


Fonte: Chaves, Antônio José Gonçalves. Memórias Ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil. Quarta edição, Editora Unisinos, 2004.

   

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