quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Sobre a principal origem do negro no Rio Grande do Sul
"Encontram-se no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul três listas referentes ao tráfico negreiro sulino durante os anos de 1802 e 1803. Eles registram, possivelmente, uma parte substancial dos africanos escravizados introduzidos no Sul nestes dois anos. De um total de 1.195 cativos, 1.104 eram, com certeza, africanos.
Nesta época, a produção charqueadora escravista encontrava-se já em pleno desenvolvimento. O Sul constituía, então, um importante centro "consumidor"de escravos novos que, trazidos preferencialmente do Rio de Janeiro, eram introduzidos pelo porto de Rio Grande e distribuídos no Sul. Se estes dois anos de tráfico são representativos, também nos primeiros anos do século XIX, os "angolanos" constituíam a parte essencial da população africana gaúcha.
O grupo majoritário continua constituído pelos "angolas". Tratavam-se de quimbundus do antigo reino do N'dongo, provenientes das regiões do Kuanza. A seguir, tínhamos os "benguelas", ou seja, povos ovimbundus "exportados" através do porto de São Felipe de Benguela, fundado em 1617, pelos lusitanos, no Sul angolano. Os "congos", quarto grupo em importância, eram cativos kikongos do antigo reino do Konto, no norte da hodierna Angola. Quanto ao terceiro grupo, não nos foi possível descobrir que comunidade étnico-cultural os lusitanos designavam sob o nome de "rebolos". "Minas", como já foi assinalado, eram os africanos exportados da Costa da Mina, na atual Gana. "Quissamas", "cassanges", "songas", "cabundas", "ambacas", "ganguelas" são também "angolanos". Não nos foi igualmente possível identificar de onde eram provenientes os "mohumbes", os "manjolos" e os "messambes". Assim, os cativos provenientes de Angola compreendiam - no mínimo - mais de 80% do total dos assinalados nas listas de 1802 e 1803.
Fonte: Maestri Filho, Mario José. O escravo gaúcho: resistência e trabalho, 1984. Ed. Brasiliense, São Paulo. (Págs. 35 a 37)
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Texto escrito por Fernando Luiz Osório referenciando festa do culto de matriz africana em Pelotas no século XIX
"Desde epochas muito remotas, a população africana aqui, então representada por alguns milhares de pretos, [ ] todos os domingos e dias santos, do meio dia á noite, exhibia-se publicamente em dansas e cantigas usadas entre os gentios. O ponto dessa reunião era sempre á grande sombra de cinco de nossas frondosas figueiras, dispostas em amplo circulo que indicava o traço de um antiguíssimo curral, offerecendo, por essa amplitude, franca área e todas as condições para a diversão. Essa localidade é além do arroio Santa Bárbara, á esquerda da ponte da rua Riachuelo, entre a Manduca Rodrigues e o referido arroio6. Á hora indicada, do centro da cidade partia o grande grupo de africanos, cantando em altas vozes, ao som de rudes tambores [grifo meu], chocalhos, guizos e de extranhos instrumentos feitos de grandes porongos, revestidos de elevado número de contas, búzios, pequenos caramujos e missangas. O vestuário era exquisitissimo, constit”ído de tangas, turbantes, capacetes, mantos, tudo das mais vivas e variadas cores. Á frente, vestido no mesmo estilo, seguia o Rei, por todos acompanhado até o lugar do batuque (candombé) como elles denominavam. Todo esse cerimonial era também executado nos velórios, assim como nos enterros até o defunto baixar à sepultura. (OSÓRIO, 1922, p.174)"
Fernando Luiz Osório era formado em Ciências Jurídicas e Sociais e foi Ministro do Supremo Tribunal Federal
durante o mandato de Floriano Peixoto. Como cronista, escreveu livros e inúmeros artigos sobre a história de
Pelotas. Não foi possível identificar a data da conferência citada. Entretanto, podemos situá-la aproximadamente
logo após a abolição, considerando que nasceu em 1848 e faleceu em 1896.
Fonte: Maia, Mario de Souza. O Sopapo e o Cabobu - Etnografia de uma tradição percussiva no extremo sul do Brasil, UFRGS, 2008.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
A História do Racismo e do Escravismo
A História do Racismo e do Escravismo
É có clicar no link do título. Vale a pena ver. Ótimo documentário da BBC. Só um dado para refletir. "Numa estimativa conservadora, mais de onze milhões de escravos atravessaram o Atlântico... pelo menos dois milhões morreram na viagem infernal..." Vejam bem como diz o texto, isso significa que no mínimo nove milhões foram escravizados no Novo Mundo, e seus descendentes por séculos, o que aumenta drasticamente esse número.
sexta-feira, 19 de julho de 2013
A propósito, para não cair no esquecimento.
Terreiro de candomblé destruído para construção de condomínio de luxo.
Eu gostaria de saber como anda esse processo. Alguém tem notícias?
segunda-feira, 13 de maio de 2013
13 de maio de 1988 - 13 de maio de 2013
Hoje só tenho a dizer que faz 125 anos que essa lei postada abaixo não é cumprida!
LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888.
Declara extinta a escravidão no Brasil
Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.
O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.
Princeza Imperial Regente.
RODRIGO AUGUSTO DA SILVA
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Ainda sobre a escravidão no Rio Grande do Sul e Brasil
Continuando com algumas palavras das memórias de Antônio José Gonçalves Chaves. Abolicionista somente por uma questão econômica. Texto escrito entre 1817 e 1822 em Pelotas, RS.
".... Mais de três milhões de escravos, entre homens e mulheres, se têm importado no Brasil e ainda abatida a parte que se tem exportado para algumas colônias espanholas, quantos milhões de habitantes não teria operado esta multidão se a desgraça de sua classe não preterisse sua procriação?
É certamente claríssimo que a procriação desta classe é em si mesma inoperável e persiste a classe livre, para haver sua manutenção, na terrível prática de demandar esta mesma população da austera África e emprega nisso seguramente muito mais do que ela vale.
Mais de duzentas embarcações, equipadas dos melhores marinheiros, dão entrada nos diferentes portos do Brasil anualmente, carregadas destas desgraçadas vítimas; e se calcularmos bem a grande porção de cultivadores dos gêneros que trocamos por eles, construtores e outros artistas que podiam operar trabalho muito mais útil e adequado às nossas circunstâncias, concluiremos sem hesitar que este comércio é para nós antes prejudicial do que útil...."
Fonte: Chaves, Antônio José Gonçalves. Memórias Ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil. Quarta edição, Editora Unisinos, 2004.
".... Mais de três milhões de escravos, entre homens e mulheres, se têm importado no Brasil e ainda abatida a parte que se tem exportado para algumas colônias espanholas, quantos milhões de habitantes não teria operado esta multidão se a desgraça de sua classe não preterisse sua procriação?
É certamente claríssimo que a procriação desta classe é em si mesma inoperável e persiste a classe livre, para haver sua manutenção, na terrível prática de demandar esta mesma população da austera África e emprega nisso seguramente muito mais do que ela vale.
Mais de duzentas embarcações, equipadas dos melhores marinheiros, dão entrada nos diferentes portos do Brasil anualmente, carregadas destas desgraçadas vítimas; e se calcularmos bem a grande porção de cultivadores dos gêneros que trocamos por eles, construtores e outros artistas que podiam operar trabalho muito mais útil e adequado às nossas circunstâncias, concluiremos sem hesitar que este comércio é para nós antes prejudicial do que útil...."
Fonte: Chaves, Antônio José Gonçalves. Memórias Ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil. Quarta edição, Editora Unisinos, 2004.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
A continuidade da escravidão - Parte 2
Ainda a terceira memória de Antônio José Gonçalves Chaves.
"... A escravatura embaraça o aperfeiçoamento da população do Brasil e de seu crescimento, ao mesmo tempo que contendo ele uma vastidão imensa de território é mui limitado na sua população, pela maior parte escrava. Como há de um homem livre associar-se na cultura da terra ou em outro qualquer ramo de trabalho com um homem cativo, se imediatamente todo o mundo o considera o mais desgraçado de todos os homens com este labéu - anda trabalhando junto com os negros - e mesmo todos têm para si que com isso perdem de sua dignidade e brio? E se é só a classe escrava que privativamente deve fazer o trabalho da agricultura e artes pesadas, como se poderão adiantar os produtos do Brasil?
O escravo - diz um economista - consome o mais que pode e trabalha o menos que pode. É esta uma verdade que não precisa ser demonstrada: o escravo, que por modo algum pode esperar prêmio do seu trabalho, interessa-se em consumir e em não trabalhar. Tal é efetivamente a sua indigência corporal e espiritual que jamais pode ter faculdades para dirigir bem o trabalho de que é encarregado; mas ainda quando alguma entidade estranha lhe subministrasse idéias para este fim, ele, que não tem interesses por não esperar recompensa, não se aproveitava dela.
..... A escravatura produz todos estes males, pois se ela cedesse o seu lugar, viriam infalivelmente da Europa famílias inteiras para o Brasil: enriqueceriam bem depressa com os produtos do seu próprio trabalho; ramificariam por toda a parte e com as notícias que dessem aos seus patrícios de sua fortuna, atrairiam muito mais povos; entrelaçar-se-iam com a parte da nação mais apurada e operariam população livre, briosa, industriosa, afoita e laboriosa; ao mesmo tempo que com este terrível sistema nos tornamos incapazes de todas estas virtudes.
Como se há de passar no Brasil sem escravos (dizem muitas pessoas), se não há quem se alugue por criado? Mas como há de haver quem se alugue, por um ano, um mês ou um dia, se quem assim poderia negociar seu trabalho se acha alugado com seus descendentes por uma eternidade! Confira-se a peremptória liberdade aos cativos e logo teremos quantos criados nós precisarmos; confira-se-lhes gradual liberdade e gradualmente teremos criados e trabalhadores de toda a espécie...."
Com certeza Chaves era de uma inteligência grande ao prever ainda na segunda década do século XIX o que aconteceria com o Brasil após a abolição da escravatura. Chaves era abolicionista como todos dizem? Sim, claro, está escrito; mas abolicionista por uma questão econômica, não por razões humanistas, isso também me é claro. Mas o que eu acho mais importante ainda nesses textos é ver que Chaves acerta como ninguém o destino sócio-econômico brasileiro nos dias de hoje.
Fonte: Chaves, Antônio José Gonçalves. Memórias Ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil. Quarta edição, Editora Unisinos, 2004.
"... A escravatura embaraça o aperfeiçoamento da população do Brasil e de seu crescimento, ao mesmo tempo que contendo ele uma vastidão imensa de território é mui limitado na sua população, pela maior parte escrava. Como há de um homem livre associar-se na cultura da terra ou em outro qualquer ramo de trabalho com um homem cativo, se imediatamente todo o mundo o considera o mais desgraçado de todos os homens com este labéu - anda trabalhando junto com os negros - e mesmo todos têm para si que com isso perdem de sua dignidade e brio? E se é só a classe escrava que privativamente deve fazer o trabalho da agricultura e artes pesadas, como se poderão adiantar os produtos do Brasil?
O escravo - diz um economista - consome o mais que pode e trabalha o menos que pode. É esta uma verdade que não precisa ser demonstrada: o escravo, que por modo algum pode esperar prêmio do seu trabalho, interessa-se em consumir e em não trabalhar. Tal é efetivamente a sua indigência corporal e espiritual que jamais pode ter faculdades para dirigir bem o trabalho de que é encarregado; mas ainda quando alguma entidade estranha lhe subministrasse idéias para este fim, ele, que não tem interesses por não esperar recompensa, não se aproveitava dela.
..... A escravatura produz todos estes males, pois se ela cedesse o seu lugar, viriam infalivelmente da Europa famílias inteiras para o Brasil: enriqueceriam bem depressa com os produtos do seu próprio trabalho; ramificariam por toda a parte e com as notícias que dessem aos seus patrícios de sua fortuna, atrairiam muito mais povos; entrelaçar-se-iam com a parte da nação mais apurada e operariam população livre, briosa, industriosa, afoita e laboriosa; ao mesmo tempo que com este terrível sistema nos tornamos incapazes de todas estas virtudes.
Como se há de passar no Brasil sem escravos (dizem muitas pessoas), se não há quem se alugue por criado? Mas como há de haver quem se alugue, por um ano, um mês ou um dia, se quem assim poderia negociar seu trabalho se acha alugado com seus descendentes por uma eternidade! Confira-se a peremptória liberdade aos cativos e logo teremos quantos criados nós precisarmos; confira-se-lhes gradual liberdade e gradualmente teremos criados e trabalhadores de toda a espécie...."
Com certeza Chaves era de uma inteligência grande ao prever ainda na segunda década do século XIX o que aconteceria com o Brasil após a abolição da escravatura. Chaves era abolicionista como todos dizem? Sim, claro, está escrito; mas abolicionista por uma questão econômica, não por razões humanistas, isso também me é claro. Mas o que eu acho mais importante ainda nesses textos é ver que Chaves acerta como ninguém o destino sócio-econômico brasileiro nos dias de hoje.
Fonte: Chaves, Antônio José Gonçalves. Memórias Ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil. Quarta edição, Editora Unisinos, 2004.
Assinar:
Postagens (Atom)