domingo, 4 de outubro de 2009

Os Negros do Rio Grande

     "Os negros do Rio Grande não estão numa posição excepcional senão porque pertencem às estâncias e às charqueadas; os negros domésticos são os mesmos em todas as partes: ora, nas estâncias pouco tem que fazer o negro, exceto na ocasião rara dos rodeios; nas charqueadas, o trabalho é mais exigente, sem ser nem pesado nem excessivo; é uma ocupação regular distribuída segundo as forças do negro, e no desempenho da qual o negro entra com tanto mais vontade que não se pode dissimular que alguma coisa tem de conforme o trabalho com suas inclinações.
     Na estação da matança, isto é, de novembro até maio, o trabalho das charqueadas principia ordinariamente à meia-noite, mas acaba ao meio-dia, e tão pouco cansados ficam os negros que não é raridade vê-los consagrar a seus batuques as horas de repouso que decorrem desde o fim do dia até o instante da noite em que a voz do capataz se faz ouvir...
     ...Numa charqueada ou numa estância há menos facilidade de nascerem e de se alimentarem os vícios comuns entre os negros; excetuando alguns estabelecimentos longínquos, onde às vezes se vê numa miserável pulperia, em todas as outras partes o negro não pode satisfazer seu gosto pelos licores espirituosos; além disso, pouco ou nada tem que roubar ao redor de si; seus divertimentos são caseiros, e raras ocasiões furtivas se lhe oferecem de figurar nesses ajuntamentos ruidosos onde ordinariamente vai encontrar as rixas, as seduções, o ciúme e os apetites da vingança. Uma charqueada bem administrada é um estabelecimento penitenciário; e também devemos confessar que, em todo o tempo que nos demoramos no Rio Grande, não tivemos exemplo de um crime público cometido por um negro das charqueadas."[ps. 202-205]

Dreys, Nicolau. Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Rio de Janeiro: J. Villeneuve & Comp., 1839.

Texto extraído do livro Pelotas: Toda a prosa - Volume 1 (1809 - 1871). Págs. 93, 94. Pelotas: Mario Osorio Magalhães, 2000.